…o recrudescimento da barbárie!

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...o recrudescimento da barbárie!

Através de reações incomuns, a nação brasileira está mostrando sua não tolerância com desmandos e crimes. A lei e a ordem se veem ameaçadas pela barbárie.

Basta! Vamos nos proteger, vamos à fúria do “olho por olho e dente por dente”, nada de esperar a justiça de onde ela deveria vir. Ela é morosa, condescendente, paternalista e, consequentemente, deixa no desamparo quem dela mais necessita.

Em diversos locais do País, a população começa a reagir impensadamente, respondendo a agressões com uma loucura coletiva. Freud já nos disse que o grupo não pensa. A massa age por impulso, sem conseguir discernir o que é da ordem civilizatória. Enfurecidos, cansados de não receberem a segurança de autoridades competentes e responsáveis, partem para fazer “justiça com as próprias mãos”. O princípio de civilidade é o laço social que constrói um ambiente de pacificidade. O respeito ao semelhante é a base da construção de uma sociedade. Quando isso não funciona, advém a barbárie, os linchamentos, a insensatez de respostas primitivas sem limites.

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A prática de linchamentos tem retornado. E essa moda pode pegar. Isso é sério demais. O povo manda uma mensagem nascida de um sentimento de descrença, de não acreditar mais nos valores e ideais da civilização, ficando ao declínio de uma fúria, entregues a si mesmos. A população brasileira tem exercido a sua ânsia de vingança no espaço privado em detrimento de uma justiça que responderia por meio do discurso público. Isso porque esses distúrbios aberrantes têm resistido, de uma maneira ou de outra, aos efetivos das leis que regem a ordem pública.

A lei não tem conseguido ser operante. Isso aponta para a existência de elementos novos na ordem do crime. Os transgressores agem como se não existissem consequências para os seus atos. Eles não temem mais. Trata-se de um gesto transgressivo que sobrevive em estado bruto! Repetimos, não sem uma certa razão, que a causa do ato transgressivo reside na certeza da impunidade. Mas parece que há algo mais, pois o que vemos é que são indivíduos tão deformados, em seus valores e seus ideais, que dão a ver um distúrbio de caráter da ordem de um incurável. A morte é o limite!

Os atos transgressivos são consumados em crimes hediondos. Trata-se de uma onda gigantesca que não se sabe onde ela vai quebrar. Periga cair sobre nossas cabeças, daí a importância de uma reflexão sobre o assunto, de mobilizar as autoridades que parecem adormecidas.

Uma repetição de roubos, seguida de assassinatos à sangue frio, chegando ao cúmulo de tacarem fogo no corpo das vítimas; uma série tresloucada de estupros, realizados tanto no ambiente público quanto no privado – alguns seguidos de mortes, outros, promovem um trauma que acaba por esfacelar a vida de mulheres e de crianças –, têm se alastrando por toda parte, numa temporalidade midiática assustadora. Trata-se de uma proliferação desmedida de atos criminosos bárbaros, abusivos, hediondos. Como quebrar essas séries?

Essa repetição de estupros tem provocado um sentimento de horror em todos nós. Um drama abusivo que fere os nossos sentimentos mais preciosos. O estupro tem se disseminado como um vírus de uma nova epidemia.

Os fatos se ampliam e tomam versões diversas: um homem estuprou e matou um garoto de dez anos que vivia de cadeira de rodas. A população, cansada de não respostas da lei, linchou o transgressor, estraçalhou seu corpo, e o matou. Felizes por terem praticado a vingança, disseram que o fariam de novo. Uma linda menina foi estuprada até à morte, tendo o agente de tal atrocidade sido linchado e morto. Frequentadores de um restaurante, diante das repetições de assaltos à mão armada, lincharam e mataram os assaltantes. O recrudescimento da barbárie tem se disseminado como uma epidemia viral: a moda está pegando, isso é muito graves, os casos já se tornaram incontáveis!

O que está se passando? Qual a causa dessa impossibilidade de mediar pela palavra, pelo valor sagrado da lei que humaniza, as relações sociais mais suportáveis? Sabe-se, desde os primórdios da civilização, que não existe nenhuma sociedade sem distúrbios sociais. Os loucos, os perversos, os assassinos estão em todos os lugares. Sempre existirão. Quais os limites de um suportável? Como proceder no sentido de dirimir esses atos transgressivos que horrorizam a todos nós?

O pior é que não temos encontrado uma saída, vale dizer, o início de uma tomada de posição, fazendo viger a virilidade da lei, de algo que venha colocar um limite, no sentido de se reduzir esses distúrbios – diga-se, por sinal, de uma gravidade sem precedentes em nossa história. Precisamos pensar, pois ter a fúria como resposta é dar, efetivamente, aval à criminalidade!

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Médico, Psiquiatra e Psicanalista. Especialização e Mestrado em Psiquiatria (UFRJ); Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise de Brasília, Rio de Janeiro e Vitória; Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP); Editor-chefe da Companhia de Freud Editora
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